Fala-se muito em assédio sexual, como crime e muitas leis são produzidas neste sentido, existe uma outra prática perversa, corrente nas sociedades, que atinge muitas pessoas particularmente no seu local de trabalho, mas que, contudo, é pouco falada e quando se fala, é feita com muito receio, porque muito pouca gente sente a coragem de denunciá-la: trata-se do assédio moral.
O assédio moral, está estritamemnte ligado às relações de trabalho, embora não se restrinja apenas às relações laborais, resulta das acções, palavras, actos e gestos, praticados sistematicamente por uma pessoa que, abusando dos seus poderes ou das suas funções, para atingir a autoestima de outra pessoa e no caso das relações laborais, do seu subordinado.
O assédio moral no trabalho, é geralmente praticado por patrões, chefes e superiores hierárquicos em geral, que muitas vezes não tem a capacidade de gestão do pessoal, humilham e procuram atingir o colaborador, através de insinuações maldosas, desqualificação do colaborador, recusa na comunicação directa (ex. assistimos muitos chefes a mandarem recados aos seus colaboradores directos para não se dirigirem para eles em quaisquer circunstâncias), imposição de objectivos inatingíveis, isolamento no ambiente de trabalho, criação de um clima de insegurança do colaborador em relação ao seu próprio emprego, etc.
As referências a alguns casos acima indicados, é apenas uma pequena demonstração do inferno que traduz a vida de um trabalhador que venha a ser vítima do assédio moral, e que, por consequência disso, começa a sofrer de perturbações comportamentais, depressão, desmotivação, conflitos de relacionamento familiar, e por aí vai. Geralmente, o assediador procura que o colaborador peça a sua demissão, ou a sua transferência, no caso de um serviço público. Mas, existem muitos casos em que o assédio moral é feito por várias outras razões.
Convém dizer que nada disso é novidade, e pode se dizer que, mais recentemente, têm surgido casos de agressão no ambiente de trabalho, designadamente o assédio praticado pelos próprios colegas (assédio moral horizontal). Isso acontece, quando o próprio colega começa a isolar o outro colega, que tem sido vítima de assédio do chefe ou ainda é instruído pelo próprio chefe para desqualificá-lo e chantageá-lo.
Um outro elemento a considerar, é que perante a grave crise económica e financeira mundial e de ameaça de falência de algumas empresas, os empregadores na procura de sobrevivência das suas empresas e de mais riqueza, lançaram uma forte pressão aos Governos e aos próprios Sindicatos e até junto da OIT, com vista a retirar direitos adquiridos aos trabalhadores, liberalisar o sistema de contratos a prazo, aumentar a carga horária, reduzir o custo da mão de obra, ou se quisermos, desestruturar a segurança no trabalho e conseguiram nalguns casos, como é o que aconteceu com Cabo Verde, que levou as Centrais Sindicais a darem o seu acordo a estas alterações, reforçando e proporcionando ainda mais aos assediadores, formas mais fortes e “legais” de assédio moral no trabalho. Com efeito as alterações introduzidas no Código laboral Caboverdiano, que entrou em vigor em Outubro de 2016, proporciona aos empregradores fortes condições para imprimem a um ritmo alucinante, o trabalho, cuja meta é a optimização da produção ao menor custo possível. Isso resultará em pressões de toda ordem sobre os trabalhadores, e consequentemente no mau trato, na ridicularização e no assédio moral dos empregados que não conseguem acompanhar o ritmo, aliás a facilitação do despedimento colectivo e despedimento sem justa causa a baixo custo, a deslegitimação da DGT e do Ministro da tutela de poderem intervir enquanto autoridades de trabalho, nos casos de despedimentos colectivos, são provas inequívocas da instituicionalização do “crime” de assédio moral e quiçá até de assédio sexual no trabalho. Isto é indígno e compromete a República de Cabo Verde, perante os objectivos do trabalho decente protogonisados pela OIT e assumidos pelo governo de Cabo Verde, à semelhança de muitos outros países.
As legislações Laborais, mal concebidas ou que não prevêm expressamente penalizações para os gestores, por assédio aos trabalhadores, sobretudo nos países em que o desemprego abunda, como é o caso de Cabo Verde, podem constituir instrumentos de promoção de assédio moral e mesmo sexual dos trabalhadores, nos locais de trabalho. Uma simples sondagem no seio dos trabalhadores, nalguns sectores de actividade económica no país, confirmará a existência deste fenómeno, que infelismente não tem sido denunciado.
Normalmente as pessoas que praticam o assédio moral, não fazem minimamente a ideia de que estão cometendo um acto ilícito ou até mesmo um “crime”, susceptível de ser apreciado e pubnido pela Justiça. Por outro lado, os trabalhadores também ignoram o facto de que não são obrigados a tolerar nenhuma dessas práticas; contráriamente, podem recorrer à via judicial e reclamar, de entre outras coisas, indemnização pelos danos sofridos. Muitos gestores e chefes de serviços e mesmo de ripartições públicas, continuam a violar as boas normas de convivência no ambiente de trabalho e além dos danos causados aos trabalhadores, podem provocar, imensos prejuízos financeiros e institucionais às empresas que gerem e muitas vezes, só porque sabem que os encargos com as indemnizações dos assediados (lesados), não saem dos seus bolsos e porque os trabalhadores não se apercebem do fenómeno. Um exemplo claro de assédio moral, é a forma como muitos chefes, administradores de empresas tratam os seus colaboradores, chamando-os de nomes diversos dos seus ou convidando-os para pedirem certos benefícios que deviam ter no respectivo serviço, ao seu partido ou ao Sindicato a que pertencem, numa atitude de manipular ou desacreditar o trabalhador perante a sua convição politica ou de classe, facto corrente nos vários sectores de actividades económicas.
A Constituição da República de Cabo Verde, no seu artigo 1º, reconhece como fundamento da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Por aí se percebe a inadmissibilidade da odiosa prática do assédio moral.
Nos serviços públicos tem uma particularidade agravante: o chefe sabe à partida que não tem poderes de demissão de qualquer funcionário, procura, então, espezinhá-lo de todas as formas. O artº 36º alinea b) do Codigo Laboral reconhece ao trabalhador o direito de ser tratado, com urbanidade, respeito e consideração pelo empregador e pelos superiores hierárquicos que actuarem em nome deste e mais à frente na alínea f) do mesmo artº36º, reconhece ainda ao trabalhador, o direito de não sofrer tratamento discriminatório. Portanto, proíbe a prática do assédio moral e contempla, no artº 241º do mesmo Código Laboral, o direito do trabalhador promover o autodespedimento com justa causa, por ofensa à sua honra e dignidade, com direito à indemnização.
O Código Laboral, no seu artº 410º, fala do Assédio sexual e dispõe que: 1. O empregador, gerente, supervisor ou outro agente do empregador, tal como professor, instrutor, treinador, formador ou qualquer outra pessoa que, tendo autoridade, influência ou predomínio moral sobre um trabalhador, o assediar sexualmente, fazendo depender a contratação, renovação do contrato, promoção ou a aquisição de privilégios, assim como bolsas de estudo, subsídios ou outros benefícios, da obtenção de favores sexuais para ele ou para terceiros, é punido com coima até dois anos do salário mínimo da função pública; 2. Incorrem na mesma coima as pessoas referidas no número anterior que, perante a recusa o trabalhador em conceder os referidos favores, o discriminar, entorpecer ou reduzir as suas oportunidades de trabalho, o intimidar ou lhe criar um ambiente hostil no local de trabalho, por forma, a reduzir-lhe as suas oportunidades na empresa ou fora dela; 3. Incorrem na mesma coima, aqueles que induzirem outrem à prática dos factos descritos nos números anteriores.
No artº 411º, do mesmo Código Laboral, fala do Assédio moral e dispõe que: 1. O empregador que, com ou sem a colaboração de outros trabalhadores da empresa, dos administradores, gerentes ou gestores, assediar moralmente um trabalhador da empresa, mediante a prática de actos de conteúdo humilhante ou vexatório, traduzidos em ameaças verbais, insinuações, com finalidade persecutória, em ordem a criar-lhe instabilidade psicológica, roer-lhe o amor-próprio, enfraquecer o seu brio profissional ou isolá-lo no quadro da empresa, por forma, a levá-lo à prática de actos de efeito reflexo negativo, tais como desinteresse profissional, falta de pontualidade ou assiduidade, ou auto-despedimento, é punido com coima equivalente a três anos do salário mínimo da função publica; 2. A coima prevista no número anterior é aplicável ainda que o trabalhador já não se encontra ao serviço da empresa; 3. Os trabalhadores que colaborem no assédio moral de outro trabalhador, nos termos descritos no número 1 deste artigo, são punidos com coima até seis meses do salário mínimo da função pública.
Portanto, em Cabo Verde, existem leis que regulam tanto o assédio sexual, como o assédio moral, mas a sua aplicação não é sentida, porque não há denúncias por parte das vítimas.
Para terminar, convém ainda realçar que o assédio moral não tem nada a ver com comportamentos dos funcionários sensíveis e melindrosos e nem com o temperamento forte e determinado de alguns chefes despreparados, mas sim com acções e insinuações maldosas, desqualificação do colaborador, recusa na comunicação directa, etc. Afinal, as relações de trabalho, por mais boas que sejam, envolvem sempre uma tensão natural, cuja principal matriz resulta da oposição existente entre o capital e o trabalho.
É bom que se diga que numa boa gestão, para ter sucesso, as relações entre o empregador e o trabalhador, devem ser de respeito mútuo, de cooperação ou se quisermos de colaboração (gestor/colaborador) e não de chefe/subordinado no sentido clássico.
Anibal Augusto dos Reis Borges